segunda-feira, 23 de maio de 2016

As primeiras plantações


Os Romanos (Séc. I) já exerciam uma produção de vinho no Douro. Com os Beneditinos, a produção era esporádica e essencialmente para o culto religioso. A chegada dos cistercienses (Séc. XII) revolucionou notavelmente a qualidade e quantidade de vinho produzido. Foram os grandes mestres da vitivinicultura duriense.



Centro Interpretativo Porto e Douro| Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP)


Destaque na exposição actual do IVDP. Os Monges brancos como grandes mestres no desenvolvimento da viticultura duriense.

A "Magna Karta de 1132" é uma escritura (ver documento abaixo) que atesta a venda da Herdade dos Varais (Régua) aos monges de São João de Tarouca. Os monges de Cister trouxeram da Borgonha as varas para plantar nos Varais e iniciar o mais cedo possível a produção de vinho para o Rito Eucarístico. Esta propriedade foi a primeira compra da Ordem no Douro. A qualidade do terroir, assim como, a sua localização e acessibilidade, foram determinantes para o fantástico empreendimento vitivinícola de Cister no Douro. Os 8 monges batedores enviados por São Bernardo escolheram esta zona como sendo a melhor embora dista cerca de 25 Km do mosteiro de São João de Tarouca. O sistema de granjas iria resolver este problema tendo por cooperação os conversos. Em 95 anos, a encosta de Cambres estava coberta de vinhas cistercienses. A Partir de 1132, esta Herdade começou a produzir vinho, ou seja, o "vinho de missa" ou "vinho cheirante de Lamego" que mais tarde por ser exportado desde o Porto ficou com o nome da cidade.


Magna Karta


Fonte: http://goo.gl/DzPst4



 Primeiras Quintas do Douro (Cister)


Fonte: http://goo.gl/f7jTLC

O Historiador e Medievalista A. Almeida Fernandes coloca a data de 1142 na transcrição da escritura. Contudo, de acordo com o investigador Altino M. Cardoso, autor da obra "Do Vinho de Missa de Cister ao Vinho do Porto", a data é de 1132. A.Almeida Fernandes pensa que teria havido um lapso por parte do copista em ter esquecido um X na escritura original e toma a liberdade de acrescentar mais uma década na transcrição. No entanto o erro temporal (a haver?) não é problemático neste estudo.

É de supor que a Herdade dos Varais dita o seu nome das varas que aí foram plantadas pelo monges aquando da sua chegada por volta de 1132. Para não secarem, as varas eram acomodadas em sacos com terra. O método de plantação medieval era o "pé-posto", isto é, plantar directamente a vara na terra ganhando assim raízes e florescendo. Ainda hoje, na Quinta de Mosteirô (foi uma granja de Cister) se planta a casta da mesma forma e se produz um vinho com o nome de Pé Posto. É de enaltecer a perspicácia e sabedoria dos monges brancos por escolherem um local "fértil" de alta qualidade e com uma "elevada produção". No início do Séc. XVI, existe uma referência de que a Quinta de Mosteirô exportava entre 15 mil a 16 mil almudes por ano (cerca de 500 pipas!) para a cidade do Porto (1 almude = 16,8L). Estes dados revelam que existia um empreendimento gigantesco para a época. Ao longo dos tempos, esta Quinta foi aglomerando terrenos ao seu redor constituindo uma base importante no projecto vitivinícola dos monges brancos.


Passados 8 séculos, em Mosteirô, o legado cisterciense perdura e é homenageado por uma via original: a produção de vinhos segundo métodos medievais cistercienses. Os vinhos de Mosteirô têm gozado de grande prestígio arrecadando prémios notáveis a nível internacional.



Rótulo vinho Pé Posto

 

Fontes:
Do vinho de missa de Cister ao vinho do Porto (a magna karta de 1132) / Altino Moreira Cardoso.
http://www.casadosvarais.net/index.php/pt/a-casa
http://www.quintademosteiro.com/pt/sobre/
http://www.culturanorte.pt/pt/noticias/vinho-pe-posto-distinguido/

sábado, 7 de maio de 2016

São Bernardo e Portugal

Em 1843, um incêndio no Seminário de Viseu destruiu muitos documentos sobre a Ordem de Cister no Douro. Apesar deste infortúnio, existe algum material documental e arqueológico em que se possa datar aproximadamente a chegada dos cistercienses e saber as razões de tal vinda. 
Sabe-se que a organização cisterciense irradiou a Cristandade Medieval pela Europa no século XII, por meio de cinco abadias-mães: Cister (1098), La Ferté (1113), Pontigny (1114), Claraval (1115) e Morimond (1115). A Claraval, estavam afiliados a totalidade dos mosteiros cistercienses portugueses. 
Um elo de ligação indirecta entre São Bernardo de Claraval e Portugal dá-se na II Cruzada. Em 1144, os turcos tomam a cidade de Edessa aos cristãos. Dois anos depois, O Papa Eugénio III, cisterciense, emite a bula Quantum Praedecessores e encarrega São Bernardo de pregar a Cruzada em direcção à Terra Santa. O seu apelo é proclamado em vários países europeus, a sua pregação é frenética e entusiasta.


São Bernardo prega a II Cruzada em Vézelay, França.
Fonte: http://www.wikiwand.com/fr/Basilique_Sainte-Marie-Madeleine_de_V%C3%A9zelay

Numa Europa Cristã, a urgência de intervir era um dever e muitos tomaram a cruz como foi o caso do rei de França, Luis VII, o imperador Germânico, Conrado III, além de flamengos, ingleses e gentes da borgonha.
A Cruzada foi um desastre. Nem sequer se conseguiu apoiar os cristãos na Terra Santa nem recuperar o que se tinha perdido. Contudo, os flamengos, ingleses, escoceses, alemães e as demais nacionalidades, costumes e línguas que vieram por mar ajudaram Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros em 1147. Foi uma vitória importante na consolidação do Reino de Portugal e na Reconquista Cristã.


Tomada de Lisboa aos Mouros, 1147.
Fonte:http://2.bp.blogspot.com/-YcdHCW2mKbs/VPI9SqjIlHI/AAAAAAAAEG4/XMoieFdxZes/s1600/lisboa_1147.jpg

Como acto de agradecimento ao Santo de Claraval, Afonso Henriques, doa à Ordem de Cister um total de 44 mil hectares de terras em que se inclui a construção do Mosteiro de Alcobaça (1153), no intuito de povoar os territórios recém-conquistados e consolidar os laços com Roma submetendo-se totalmente ao Papa.
Quanto ao Douro, existem referências de especialistas do estabelecimento dos monges brancos ainda antes da independência de Portugal (1143). Esse espaço temporal decorre entre a década de 30 e 40. O especialista francês sobre a Ordem de Cister, Maur Cocheril, afirma sobre Tarouca "que lá havia cistercienses em 1144, que o Abade se chamava João, que os monges procediam de Claraval e que o Prior, portanto o substituto do Abade (pois deve respeitar-se desta vez a hierarquia monástica), se encontrava nesse mesmo ano junto do rei com alguns dos seus confrades." O Mosteiro de São João de Tarouca é comummente aceite como a primeira fundação cisterciense em território português embora persiste uma dúvida em relação à sua edificação de raiz. Pensa-se que teria sido a reabilitação de um antigo mosteiro beneditino dado o número de 8 monges provenientes de Claraval. No caso de uma edificação nova, o envio é de 12 monges da abadia-mãe. Em 1140, D. Afonso Henriques concede carta de couto ao mosteiro (beneditino?) para compensar os frades na ajuda cedida na conquista de Trancoso ao mouros. A presença cisterciense neste período conturbado da história de Portugal firma-se por uma articulação entre o religioso e militar, no avanço cristão e no apoio dos Cruzados em direcção à Terra Santa.

Uma lenda espelhada nos azulejos da Capela-Mor do Mosteiro de São João de Tarouca explica o porquê da vinda dos monges brancos ao Condado Portucalense: São João Baptista aparece a São Bernardo pedindo-lhe que envie os seus monges fundar mosteiros em terras lusitanas; os monges vêem um raio a descer do céu indicando o local para construir o seu mosteiro. Esta lenda de fundação baseia-se na "Crónica de Cister" de Fr. Bernardo de Brito alimentando assim o imaginário dos artistas cistercienses.

A vinda dos monges da Borgonha transformaram e desenvolveram sobretudo a viticultura das regiões do Alto Douro e do Távora-Varosa. Trouxeram com eles as varas (castas) que plantaram e implementaram técnicas que ainda hoje fazem os melhores vinhos do mundo. A próxima publicação debruçar-se-á sobre este assunto.



Imagem
In O esplendor da austeridade




Fontes:
COCHERIL, Maur – Abadias Cistercienses portuguesas. Lusitania Sacra. Lisboa. ISSN 0076-1508. 4 (1959) 61-92
Cister no Vale do Douro / Geraldo J. A. Coelho Dias...[ET AL.]; Coord. Ed. Gaspar Martins Pereira, JOSÉ Ignácio De La Torre Rodriguez, Victor Gomes Teixeira; Fot. Egídio Santos.
http://revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/?id=1043
http://www.mosteiroalcobaca.pt/pt/index.php?s=white&pid=231
http://www.cm-tarouca.pt/patrimonio-historico/patrimonio-edificado
http://www.snpcultura.org/ordem_cister_heranca_cultural_portugal_europa.html









sexta-feira, 29 de abril de 2016

Os mosteiros e as granjas cisterciences

No ano da morte de São Bernardo (1153), existiam na Europa 350 abadias cisterciences, das quais 62 em França. Um século depois, a contagem eleva-se a 650! Um número impressionante para a época. No Vale do Douro, em meados do século XII são erigidos 4 mosteiros: São João de Tarouca (o primeiro em Portugal), Santa Maria de Salzedas, São Pedro das Águias e Santa Maria de Aguiar.

O local de implantação do mosteiro tinha grande relevo na exigência de Cister: em geral deveria ser afastado dos povoados, ter acesso facilitado à água, ser próximo de campos cultiváveis, ter as condições para a criação de gado e a presença de floresta, tudo numa dinâmica de auto-suficiência. Sob o lema do "Ora et Labora" (reza e trabalha) beneditino, os monges tinham um trabalho intenso a todos níveis, uma vida de oração constante e uma profunda atitude de obediência perante o abade do mosteiro.

O aparecimento de granjas (celeiros e quintas) dependentes da abadia principal mas fora do espaço monacal, num raio de 5 a 20 km, permitiu desenvolver uma boa agricultura e nomeadamente a qualidade do vinho. Estes terrenos apresentavam uma qualidade superior para uma maior variedade de plantação. Cada granja, gerida pelo magister grangiarum e celeireiro, era dotada de uma organização eficiente em que os irmãos conversos (leigos com características de monges) viviam e trabalhavam nela. As granjas funcionavam como uma extensão do mosteiro, em que de acordo com as necessidades, os monges ajudavam no trabalho. As granjas multiplicavam-se por compra ou doação. Em pouco tempo, os monges possuíam dezenas e até mesmo centenas de hectares de terrenos agrícolas de grande qualidade. Muitos destinavam-se à produção de vinhos para a celebração do rito eucarístico. No entanto, com o passar das décadas, o vinho começou a ter fama de tão boa qualidade que os monges foram "obrigados" a vendê-lo para enfrentar as dificuldades económicas, contrariando assim a Regra que proibia qualquer comercialização.

Mosteiro de São João de Tarouca 
Créditos: Daniel Almeida

Fontes:
Do vinho de missa de Cister ao vinho do Porto (a magna karta de 1132) / Altino Moreira Cardoso.

Cister no Vale do Douro / Geraldo J. A. Coelho Dias...[ET AL.]; Coord. Ed. Gaspar Martins Pereira, JOSÉ Ignácio De La Torre Rodriguez, Victor Gomes Teixeira; Fot. Egídio Santos.

Les Cisterciens / Textes Réd. Avec la collab. de Julie Roux; Conseillers Historiques Et Religieux, Les Moines De L'abbaye D'Acey, Nicolas D'andoque.

terça-feira, 26 de abril de 2016

A Ordem de Cister

A Ordem de Cister foi fundada por Robert de Molesme (1029-1111) na Borgonha (França) em 1099. Monge cluniacense (beneditino), Robert quis procurar novas experiências, novos mundos e essencialmente renovar a sua experiência monástica estabelecendo-se em Cîteaux (Cister), afastando-se assim do relaxamento vivido na abadia de Cluny. A tentação eremítica e a pobreza eram forte, muitos monges queriam um caminho de maior perfeição e de renúncia aos bens materiais, daí uma maior procura de recolhimento na natureza dura, austera e agreste tendo por total observância a Regra de São Bento.

Em 1112, acompanhado de 30 companheiros, o monge Bernardo de Fontaine (1090-1153) chega a Cister. Três anos depois, com tanta afluência em Cister e por ordem do seu superior Santo Estevão Harding, Bernardo foi com 12 companheiros fundar em Clairvaux (Claraval) uma nova abadia. O local era isolado e sombrio mas em pouco tempo tornou-se num vale de luz (Clara Vallis = Claraval) pelo trabalho dos monges em tornar as florestas campos agrícolas e por São Bernardo irradiar uma luz que transformava a vida monástica e apelava para o mosteiro pessoas de todas as classes sociais. A abadia do vale da luz superava os 700 monges.


São Bernardo de Claraval

Fontes:
http://www.snpcultura.org/ordem_cister_heranca_cultural_portugal_europa.html
http://cleofas.com.br/sao-bernardo-de-claraval-monge-mistico-e-profeta/

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Primeiros passos...

Nestes primeiros passos, vou contar uma história verídica que poucos sabem sobre o nosso Vinho do Porto, nomeadamente as suas origens. Como e quando surgiu? Por quem? Mas porquê? Assente em documentação credível referenciada, periodicamente apresentarei dados (que por incrível que pareça) não surgem na bibliografia geral da história de Portugal, do Douro e do actual Vinho do Porto. Esta história incrível envolve, Santos, Monges, Reis, lutas, lendas... e está intimamente ligada ao estabelecimento da nossa nacionalidade (1143) e à sua consolidação. Poderá parecer uma ficção mas os factos ditarão uma realidade de que o vinho de missa da Ordem de Cister foi o precursor do Vinho do Porto.

Quinta dos Canais, Douro Superior.
Créditos: Daniel Almeida